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O capital desocupado e as fronteiras da valorização

O Educador Emilio Gennari já assessorou o curso de formação continuada do Sinte regional de São Miguel do Oeste/SC no ano passado. Hoje apresentamos uma dica de leitura sugerida por ele, que retrata o contexto que estamos vivendo. Boa leitura.




Em meados de janeiro deste ano, a organização não governamental britânica Oxfam divulgou suas estimativas a respeito da concentração da renda mundial. O quadro desenhado pela entidade é assombroso: 82% das riquezas produzidas em 2017 foram apropriadas pelo 1% mais rico. Neste grupo, os bilionários que possuem a mesma quantidade de bens e dinheiro de metade da população mais pobre do planeta passaram de 62, em 2016, para 41 no ano seguinte.


No Brasil, os empresários com fortunas acima de um bilhão de reais aumentaram suas riquezas em 13%. O abismo que separa ricos e pobres pode ser visualizado nos 19 anos de trabalho ininterrupto com os quais quem ganha um salário mínimo iguala o que um bilionário recebe, em média, em um único mês.


Contudo, os problemas do relatório começam a aparecer na hora de analisar as causas da desigualdade. Para a Oxfam, a sonegação de impostos, o corte dos gastos públicos, a influência das empresas na política e a preocupação em aumentar os ganhos dos acionistas seriam a base deste fenômeno que transforma o capitalismo num sistema falido. Para reverter a concentração de renda, os ricos deveriam repensar a economia a partir do impacto que suas escolhas produzem na sociedade e os governos teriam o desafio de viabilizar políticas que reduzam o abismo entre o topo e a base da pirâmide social.


Chama a atenção o fato de que, apesar das evidências levantadas ano após ano, a promessa de o sistema capitalista nos livrar da pobreza impede de ver que isto é materialmente impossível. Pobreza, desemprego, corte de direitos, reformas que garantem lucros adicionais, sistemas de fiscalização ineficientes, ingerência direta nas decisões e investimentos do Estado, etc. não são desvios de uma ordem que tem tudo para dar certo, e sim elementos sem os quais o capital não ampliaria a sua valorização. Vistas sob este ângulo, a concentração e a acumulação da riqueza não são sinais de falência, e sim da eficiência de um sistema que constrói sociedades e estados para realizar a sua vocação de continuamente investir, lucrar, e aumentar ainda mais seus ganhos.


Neste contexto, escolhas governamentais absurdas do ponto de vista do bem estar coletivo ganham sentido quando percebemos que o capital vota todos os dias, à medida que suas ações e interesses dirigem as políticas econômicas, transformando governantes e parlamentares eleitos em serviçais dispostos a ampliar as chances de sua valorização.


Os problemas se acirram quando há muito capital desocupado. Estima-se que só nos paraísos fiscais haveria 36 trilhões de dólares aguardando oportunidades de valorização, algo como 18 vezes o Produto Interno Bruto (PIB) anual do Brasil. Entre os gigantes da economia, a Apple, por exemplo, reconheceu publicamente que mantém neles 252 bilhões de dólares à espera de serem utilizados em algo que seja interessante para a empresa.


Ao contrário do que ocorre com os trabalhadores, cujas poupanças preparam a compra de bens de certo valor ou servem de colchão amortecedor para os infortúnios da vida, os trilhões de dólares que dormem nas contas bancárias ao redor do mundo sinalizam que algo não está funcionando como deveria. Manter o dinheiro parado pode ser comparado a uma empresa de transporte cuja frota de veículos é guardada na garagem por falta de rotas em que pode ser utilizada. Ninguém duvida de que se trata de bens de alto valor, mas é fato que, no lugar de serem empregados para produzir lucros destinados a ampliar ainda mais as posses do proprietário, os veículo parados apenas se desgastam à espera de cumprirem a sua função.


Ao mergulhar na crise de 2008-2009, o mundo se deparou com uma situação que somava vários elementos contrários à retomada do crescimento sustentado: Estados que, em função dos elevados déficits públicos e da renúncia fiscal, não tinham recursos para investir em obras que reanimassem a economia, setores cuja capacidade instalada superava abundantemente a demanda mais otimista e mercados especulativos onde os riscos de amargar perdas ultrapassavam as promessas de ganhos.1 Neste contexto, o investimento, que é o motor principal da retomada do crescimento, encolheu, o dinheiro acumulado permaneceu nos cofres e a economia viveu à beira de uma nova crise.


O que tira o sono dos capitalistas, portanto, não é a miséria nem, muito menos, a desigualdade da renda e sim o não saber o que fazer com os capitais acumulados diante das incertezas e instabilidades da economia mundial. Longe de ser uma mão na roda, a forte diminuição do desemprego e o consequente aumento dos salários encolhem os lucros e reduzem o retorno sobre o capital investido. Daí a preocupação em manter sempre um número de desocupados grande quanto basta para achatar os salários, mas não tão elevado a ponto de alimentar uma convulsão social.


O que deixa os capitalistas com a pulga atrás da orelha neste primeiro trimestre de 2018 é que a economia mundial esteja se dirigindo rumo a mais uma crise econômica cuja ocorrência desvalorizaria as empresas, frearia os negócios e deixaria desocupadas quantias ainda maiores. Diante desta realidade, a análise que esboçamos a seguir tenta detectar as primeiras buscas de novas fontes de investimento e valorização numa fase de crescimento econômico que não esconde a fragilidade dos seus fundamentos.3

Até o momento, para afastar o perigo de uma nova recessão, os bancos centrais da Zona Euro, Grã Bretanha, Japão, Estados Unidos, Canadá e Austrália, que representam em torno de 65% do PIB mundial, fixaram as taxas de juros abaixo da inflação e aprimoraram políticas de estímulo ao investimento a fim de fazer a economia crescer.4 Para isso, criaram um sistema de suporte financeiro que eleva o endividamento do Estado e fortalece seu papel de fiador dos créditos concedidos aos agentes do mercado.5 Apesar das diferenças entre um país e outro, esta ação busca fundamentalmente:


  • Permitir que governos e administrações locais movimentem a economia graças a emissões de dinheiro novo dos respectivos bancos centrais. Os governos usam parte dessas quantias para substituir títulos da dívida pública lançados a juros maiores e prazos de resgate mais curtos por outros que pagam juros menores e têm vencimentos estendidos. Esta operação se torna possível à medida que as emissões de moeda e a política de juros negativos fazem com que os novos títulos da dívida pública sejam atraentes para o sistema financeiro apesar de pagarem menos do que as obrigações que são resgatadas. Desta forma, os governos reanimam a economia ao investir em obras públicas parte dos recursos que seriam destinados ao pagamento dos serviços de suas dívidas.

  • Uma fatia do dinheiro novo é usada também para socorrer grandes empresas cujos balanços são afetados pelos custos dos empréstimos contratados antes da crise e pela diminuição do faturamento. Numa modalidade semelhante à que descrevemos anteriormente, os créditos destinados aos empresários também visam aumentar os prazos de pagamento e diminuir a conta dos juros, liberando recursos para qualquer tipo de investimento.

  • As instituições financeiras se beneficiam deste mecanismo à medida que os bancos centrais compram os títulos “tóxicos” de suas carteiras de crédito. Ou seja, o Estado assume as obrigações daqueles devedores que, ao darem um calote, iriam corroer os balanços destas instituições colocando em risco a sua sobrevivência.

  • Graças ao dinheiro disponível, os juros e prazos do mercado financeiro como um todo se tornam mais favoráveis. Desta forma, um número maior de pessoas pode se endividar, por exemplo, para comprar a casa própria ou bens duráveis que seriam menos acessíveis nas condições anteriores.






Vale ressaltar que o encadeamento positivo desses fatores se deve às taxas de juros negativas e à ameaça de deflação que ronda as economias desenvolvidas. No caso do Banco Central dos EUA, os juros levaram 8 anos para se aproximarem da inflação anual do país, fazendo com que poupar fosse um mau negócio. As coisas caminham nesta mesma direção nos 19 países que adotam o euro como moeda. De fato, o BCE mantém juros negativos em 0,5% ao ano que, em 2017, somados à inflação, levaram o poupador a perder quase 2 de cada cem euros depositados. E, como os juros negativos são aplicados também às quantias que as instituições financeiras deixam no próprio BCE, cidadãos e bancos são estimulados a investir e a consumir como forma de proteger seus recursos.


Até o momento, a inflação baixa e a preocupação com a deflação fazem com que a emissão de dinheiro novo pelos bancos centrais não desvalorize a moeda. Mas a mesma política monetária criada para empurrar o crescimento da economia prepara problemas que vão se manifestar quando a injeção desse dinheiro cessar e as taxas de juros subirem acima da inflação. Os estudos alertam em relação aos fatores que seguem:

  1. O aumento das dificuldades de pagamento das dívidas contraídas, ou de refinanciamento das mesmas com novos títulos, caso ocorram desequilíbrios entre arrecadação e gastos públicos ou entre receita e despesa das empresas. Neste cenário, as instituições financeiras iriam se deparar com o aumento do risco de calote. Seus balanços, como o das empresas devedoras, enfrentariam uma situação periclitante que iria frear a economia.

  2. É difícil estimar quanto dinheiro colocado à disposição dos empresários pelos mecanismos que descrevemos se tornou investimento na produção de bens e serviços e quanto alimentou a especulação nas Bolsas de Valores.6 Somada à moeda sem lastro emitida pelos bancos centrais, a estagnação da produtividade do trabalho causada por um conjunto de fatores, entre os quais o baixo nível de investimento em novas tecnologias, pode soprar na fogueira da inflação. O aumento dos preços levaria a uma alta dos juros que encolheria ainda mais os investimentos, colocando a economia à beira de uma nova recessão.

  3. Um número crescente de economistas alerta em relação ao ótimo desempenho das Bolsas de Valores registrado em 2017 e às perspectivas de que, em 2018, possam repetir resultados parecidos. O excesso de capitais que buscam se valorizar neste meio, onde a especulação promete lucros que não podem ser obtidos na produção e na compra de títulos públicos, projeta ganhos muito acima do que a economia real pode oferecer. Somadas às questões anteriores, uma desvalorização entre 10% e 20% dos papéis negociados nas Bolsas traria perdas significativas e aumentaria os riscos de calote. De fato, à medida que os recursos dos balanços liberados pelos empréstimos do banco central não foram investidos na produção e na elevação dacompetitividade, parte do dinheiro aplicado na Bolsa simplesmente evaporaria com a desvalorização dos títulos negociados, colocando em risco os balanços futuros. Enquanto as reduções de impostos nos países desenvolvidos e as facilidades decrédito alimentam as atuais possibilidades de valorização, o capital desocupado cresce dia após dia.8 Daí uma pergunta intrigante: se os lucros da produção não são atraentes, se os títulos das dívidas públicas oferecem ganhos pequenos demais, e as Bolsas de Valores unem valorizações invejáveis a riscos crescentes...então...que novos espaços o capital vai ocupar para realizar sua vocação de acumular e ampliar seguidamente as riquezas conseguidas?Longe de distribuir renda e reduzir desigualdades, o caminho para o futuro aponta para a necessidade de apertar o torniquete que espreme os trabalhadores em formas e condições que extrapolam as relações de trabalho e preparam aventuras em que a destruição se perfila no horizonte da humanidade.Sem paranoias e alarmismos, apontamos focos de tensão que estão se agravando e cuja solução pode deixar o âmbito da diplomacia para enveredar no caminho da guerra. Longe de serem manifestações de desequilíbrios mentais, as posições do presidente dos EUA, Donald Trump, se apresentam como aspectos visíveis da busca agressiva do capital por uma ordem que não limite suas chances de expansão em nome da paz, da preservação ambiental e da igualdade. Tão assustadora quanto a retórica em relação ao aquecimento global adotada na ruptura do Acordo de Paris e na troca de ameaças com a Coreia do Norte, é a falta de resposta parlamentar à altura da situação e a posição favorável de uma parte significativa da sociedade estadunidense que considera as expressões de Trump como necessárias para reafirmar a grandeza e o poder do país.9Na história do capitalismo, a guerra tem sido um instrumento eficiente para investir recursos tanto na destruição, como na reconstrução de países inteiros. Volumes enormes de dinheiro movimentam esta economia da morte, cujas engrenagens demandam vultosos investimentos em pesquisa e produção de materiais bélicos sofisticados, eficientes e caros que os Estados comprarão em nome da defesa da população e dos interesses da nação.


No momento em que escrevemos, ganha espaço a ideia de utilizar armas atômicas em situações que extrapolam o âmbito de um conflito entre potências que dispõem desse armamento. Enquanto a política nuclear de Barack Obama previa o seu uso somente em caso de ataques atômicos contra os EUA, a Revisão da Postura Nuclear do governo Trump, divulgada em 2 de fevereiro deste ano, introduz possibilidades preocupantes.


Após apontar Rússia, China, Coreia do Norte e Irã como possíveis ameaças, o texto parte do pressuposto pelo qual os Estados Unidos estariam em desvantagem em relação à posição dos seus adversários. Apesar de terem o segundo maior arsenal nuclear com 6.800 ogivas e um gasto anual com a defesa de 610 bilhões de dólares (ante os 117 bilhões de dólares da China e os 85 bilhões de dólares da Rússia), o país não poderia usar as armas atômicas existentes. A capacidade de destruição de um míssil de ogivas múltiplas é tamanha que as retaliações e os contra-ataques ao seu lançamento poderiam impossibilitar a vida sobre a terra. Sendo assim, para o governo Trump, ter armas poderosas que não podem ser utilizadas equivale a dizer que os artefatos estadunidenses perdem a capacidade de dissuadir seus adversários.


Para recompor a superioridade estratégica, os EUA vão desenvolver ogivas com um poder de destruição próximo ao da bomba lançada durante a segunda guerra mundial, sobre a cidade de Nagasaki, no Japão, e usá-las para equipar um número bem maior dos mísseis existentes e dos novos que serão desenvolvidos para este fim.11 Desta forma, elas poderiam ser empregadas contra qualquer tipo de ataque significativo à população e às infraestruturas vitais dos Estados Unidos e de seus aliados. O fato de os submarinos serem citados como bases de lançamento das novas armas envia ao mundo um recado claro: Washington irá usar o dispositivo mais furtivo de que dispõe para lançar artefatos nucleares a qualquer momento e de qualquer lugar, sempre que considerar necessário.


Com 7.000 ogivas em seus arsenais, o Ministro das Relações Exteriores russo acusou os EUA de estimular a guerra e de viabilizar uma política de confronto que levará Moscou a tomar as medidas necessárias para garantir a segurança do país. Por sua vez, a China, que conta com 270 ogivas nucleares e é assinalada pelo documento supracitado como principal desafio para os interesses dos EUA na Ásia, já reafirmou o compromisso de não ser a primeira a utilizar estas armas sob qualquer circunstância, e que não usará ou ameaçará usá-las contra estados sem armamento atômico.


Pelo visto, estamos assistindo ao primeiro ensaio de uma corrida armamentista justo no momento em que os focos de tensão existentes podem levar a conflitos de amplas proporções até mesmo por erros de avaliação ou acidentes. As preocupações maiores seconcentram nas duas Coreias (e envolvem EUA, Rússia, China e Japão12) e no Mar do Sul da China, onde Pequim construiu ilhas artificiais equipadas com instalações militares de última geração e criou um espaço de exclusão aérea que já provocou vários atritos com as forças armadas estadunidenses no Pacífico.Por outro lado, a crescente importância da Rússia no cenário mundial está levando a situações que incomodam os Estados Unidos. Uma das que chama a atenção está no Oriente Médio. Além do papel militar desempenhado na Síria e da aliança com o Irã, Moscou está atraindo a Turquia, aliado importante dos Estados Unidos no Mar Mediterrâneo, para a própria área de influência. O governo turco mudou de posição à medida que os EUA armaram forças curdas para derrotar o Estado Islâmico na Síria, ajudam os curdos a controlarem os campos de petróleo e de gás instalados naquele país e planejam novas ações bélicas envolvendo estes contingentes.


Os EUA lançam mão destas forças para tirar de Bashar Assad, presidente sírio, recursos preciosos para a reconstrução da economia e para limitar a vitória da Rússia e do Irã na região.Mas o governo turco teme que os curdos usem os equipamentos e os treinamentos militares recebidos em futuras ações armadas que se destinam a criar um estado independente em seu território. Por isso, as forças turcas já realizaram várias incursões aéreas contra posições militares curdas, e o presidente do país, Tayyip Recep Erdogan, deixou claro que manter a política atual é afastar a Turquia dos Estados Unidos. Por sua vez, a Rússia tem se revelado um parceiro menos problemático do que os países ocidentais. Ao contrário de EUA e União Europeia, Moscou não critica o histórico de violações dos direitos humanos da Turquia (usado para justificar sua não admissão à União Europeia) e tem articulado com ela ações militares contra as tropas curdas na Síria, dando a entender que as relações entre os dois países podem ir além dos interesses imediatos.Os acordos da Arábia Saudita com Moscou também prometem semear tensões entre Riad e Washington. No início de outubro do ano passado, o rei Salman Bin Abdulaziz realizou a primeira visita oficial de um soberano saudita à Rússia, na que se apresentou como uma tentativa de ampliar as alianças da Arábia. Sauditas e russos são os maiores produtores de petróleo e gás do mundo e querem conter a extração diária para estabilizar os preços e garantir recursos aos respectivos governos. Os cortes se fazem necessários, sobretudo, ante o aumento da produção petrolífera estadunidense, graças à qual Washington planeja reduzir a dependência em relação ao petróleo árabe e aumentar a sua autonomia ao traçar a política para o Oriente Médio.



Os diálogos entre russos e sauditas levaram á assinatura de contratos para o fornecimento do sistema antimíssil S400 (mais avançado em relação aos vendidos pelos EUA), compra de equipamentos bélicos no total de 3 bilhões de dólares e a construção de uma fábrica de fuzis de assalto Kalashnikov na Arábia Saudita. Estes passos enviam uma mensagem preocupante: Washington deixa de ter a preferência absoluta da Arábia, cujos planos para o Oriente Médio demandam mais do que os estadunidenses se dispõem a fornecer.


Na Europa, dois focos de tensão prometem dores de cabeça à União Europeia que busca se afastar das posições estadunidenses.


O primeiro deles é na Ucrânia, onde inúmeras dificuldades atrasaram a implantação dos acordos de paz, assinados em fevereiro de 2015, entre forças governamentais e rebeldes separatistas pró-russos. Em 23 de dezembro do ano passado, os EUA optaram por fornecer novos armamentos às tropas de Kiev, alegando a necessidade de fortalecer as linhas de defesa ucranianas. Recebida como uma espécie de vingança pelo papel que Moscou teve na Síria, a Rússia acusou os Estados Unidos de fomentar um novo banho de sangue na região.


França e Alemanha se pronunciaram condenando qualquer violação ao cessar-fogo e pediram às partes para que assumam suas responsabilidades na aplicação integral dos acordos. Os dois países, que disputam a direção da política exterior da União Europeia, temem que atritos desnecessários com a Rússia, de um lado, e a condenação da postura estadunidense, de outro, coloquem em maus lençóis o árduo desafio de se equilibrar entre Washington e Moscou em termos de interesses econômicos, políticos e militares. Difícil prever neste momento se a mediação europeia terá sucesso diante de recursos bélicos que alteram substancialmente o equilíbrio de forças no terreno a favor do exército ucraniano e, menos ainda, se os 27 países da União Europeia conseguirão tecer uma posição comum.


O segundo foco vai ganhando corpo à medida que o aquecimento global amplia as possibilidades de usar as rotas que unem o Oceano Pacífico aos mercados europeus, passando pelo Ártico e começa a tornar viável a exploração dos recursos da região.


A China, cuja economia depende fortemente do comércio exterior, é sem dúvida o país mais interessado no assunto, e é com Moscou que Pequim vem fortalecendo os laços de cooperação nos negócios do Ártico. De fato, além das questões relativas ao transporte de carga, é nesta região que os especialistas estimam encontrar 16% das reservas terrestres de petróleo e 30% das de gás ainda não descobertas, terras raras em quantidade suficiente para cobrir 25% da demanda mundial dos setores ligados à tecnologia digital, além de jazidas abundantes de níquel, ferro e urânio.


Pelos acordos vigentes, Rússia, Dinamarca (à qual pertence a Groenlândia), Noruega, Islândia, EUA (em função do Alaska) e Canadá podem explorar os recursos doÁrtico até 370 km de suas costas, nas que são consideradas Zonas Econômicas Exclusivas de cada nação. Mas esta área pode ser ampliada quando um país do grupo comprova junto às Nações Unidas que a sua plataforma na placa continental vai além disso. A Rússia, por exemplo, reivindica uma ampliação correspondente a um milhão e 191 mil km2 e a Dinamarca pede para si mais 900 mil km2, sendo que partes destas regiões estão sendo reivindicadas pelos dois países e pela Noruega.Até agora, as disputas têm sido resolvidas pacificamente, mas o quadro deve mudar nos próximos 5 anos quando uma ulterior retração do gelo e o avanço dos investimentos prometem levar os países do Ártico a fortalecer suas demandas, corroendo a cooperação que até agora caracterizou as soluções encontradas.


Os movimentos no tabuleiro das forças militares não deixam dúvidas quanto ao aumento considerável dos investimentos bélicos nesta região em cujos céus passam as trajetórias dos mísseis balísticos intercontinentais das grandes potências. Em graus e formas diferentes, todas as nações do Ártico estão acelerando o processo de modernização de suas forças armadas por considerar que a região será um dos novos teatros de operações de guerra. Investimentos em bases militares avançadas, lançadores de mísseis e sistemas antimísseis, modernização da aviação militar e das frotas de navios de guerra (especialmente construídos para as condições do Ártico), submarinos nucleares, tropas especiais treinadas e equipadas para atuar nas condições extremas da região, ampliação da vigilância eletrônica através de satélites espiões, drones, aviões militares especificamente preparados para esta finalidade, etc. são os pratos de um cardápio que tende a se ampliar muito nos próximos anos.


Entre as principais demonstrações de força, em março do ano passado, a Rússia testou a capacidade de combate da sua Frota do Norte envolvendo nada menos do que 41 navios de guerra, 15 submarinos e 40 mil soldados. Cinco meses depois, e pela primeira vez desde o fim da era soviética, o país realizou exercícios militares de grandes proporções na costa do Ártico. Treinamentos parecidos foram feitos por Finlândia e Canadá, muitas vezes em conjunto com os EUA cujos navios de guerra aparecem frequentemente nas águas do mar Báltico enquanto os submarinos nucleares marcam presença no Mar de Barents por onde passa a trajetória mais curta dos mísseis balísticos intercontinentais. Quanto mais armas, tropas e operações militares na região, maiores as chances de simples incidentes terem consequências inesperadasO desenrolar dos acontecimentos no Ártico ajuda também a derrubar as esperanças de preservação ambiental deste canto do mundo. A cobertura de gelo ter se retraído cerca de 30% desde 1970 preocupa pela diminuição da influência positiva que as correntes marítimas entre os dois polos tem no equilíbrio da vida marinha.


Ao se movimentarem de um polo ao outro, estas correntes ajudam a controlar a temperatura dos oceanos e distribuem nutrientes das regiões profundas para a superfície. Mas o que é bom para as espécies marinhas e as populações que vivem da pesca não é tão bom para os negócios que apostam na devastação dos recursos naturais como possibilidade de valorização imediata dos capitais e pensam o combate à poluição apenas como mais um campo para os investimentos futuros.Esta parece ser a interpretação mais apropriada das palavras de Scott Pruitt, chefe da Agência de Proteção Ambiental dos EUA que, no dia 7 de fevereiro deste ano, perguntou publicamente se o aquecimento global é necessariamente algo ruim.


Ao contrário do que a mídia costuma publicar, Trump não desconhece nem as pesquisas científicas, nem as projeções que elas desenham para o futuro. Ele apenas atende às demandas empresariais que buscam descobrir como transformá-las em chances reais de investimento e valorização do dinheiro que dorme nos seus cofres.De um lado, é impossível acreditar que o governo estadunidense não conheça os estudos e as projeções da própria NASA, a agência espacial norte-americana, relativos à emissão de gases que causam o efeito estufa. Pelos cálculos dos seus pesquisadores, em 1988, quando os líderes mundiais se encontraram no Canadá para a 1ª Conferência Global sobre Mudanças Climáticas, as emissões anuais eram equivalentes a 30 bilhões de toneladas de dióxido de carbono (excluídas as que vêm dos processos de desmatamento) e a temperatura média da terra havia subido pouco mais de meio grau Célsius em relação a 1880, a era pré-industrial usada como referência histórica. Na assinatura do protocolo sobreo clima, em 1997, em Kioto, no Japão, já eram 35 bilhões de toneladas e a temperatura média havia subido 0,7 grau Célsius. Nove anos depois, em Paris, onde chegou-se ao Acordo sobre o clima, as emissões anuais de gases de efeito estufa estavam a um passo de atingir os 50 bilhões de toneladas e a temperatura média estava 1,1 grau Célsius acima de 1880. Nas projeções da NASA para 2030, se o acordo de Paris for integralmente respeitado, a emissão de gases excederia entre 12 e 14 bilhões de toneladas o nível necessário para manter o aquecimento médio da temperatura mundial abaixo dos 2 graus Célsius, patamar além do qual os oceanos avançariam perigosamente sobre a terra.16Por outro lado, os cientistas da própria NASA estão estudando como transformar o combate ao aquecimento global em oportunidade de investimento graças às descobertas feitas após erupções vulcânicas de grandes proporções. Tudo começou em 1991, quando o Pinatubo, vulcão das Filipinas, lançou na atmosfera cerca de 20 milhões de toneladas de dióxido de enxofre. As correntes de ar levaram o dióxido de enxofre pelo mundo e este se combinou com o vapor d’água formando aerossóis, ou seja, gotículas que refletiam uma parte da luz do sol para fora da atmosfera, fazendo a temperatura média da terra diminuir.


Agora, os cientistas estudam como aviões preparados para despejar sua carga às altitudes necessárias poderiam “semear” compostos químicos que produzem o mesmo efeito sem prejudicar a atmosfera.17Desvendar a realidade que se esconde sob o manto das aparências pode ser assustador, mas proporciona uma visão dos interesses que movimentam o processo de destruição-reconstrução que está na base do sistema. Sedento de ampliar as fronteiras da valorização, o capital não vê os problemas socioambientais causados pela sua ação como um obstáculo ou uma ameaça à humanidade, mas tão somente como oportunidades de negócios e caminhos para ampliar o seu poder.


Enquanto isso, os trabalhadores revelam não ter consciência da dominação à qual são submetidos, à medida que seguem encontrando nela o ambiente no qual confiam poder construir o seu próprio futuro. Ao aceitar com naturalidade situações que, em outras épocas, despertariam indignação e revolta, a classe foi se tornando incapaz de ver que as diferentes faces da desigualdade são os dentes de uma engrenagem sem a qual a exploração e a acumulação do sistema capitalista não poderiam se sustentar em nenhum lugar do mundo.Desconcertada com os dados levantados, a própria Oxfam revela a sua perplexidade ao afirmar que, no ritmo atual, as próprias diferenças salariais entre homens e mulheres, objeto de décadas de luta, serão eliminadas apenas daqui a 217 anos. Trata-se, sem dúvida, de um prazo longo demais até para quem acredita poder construir a igualdade no interior do capitalismo.


Brasil, 21 de fevereiro de 2018.

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